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Dohairen Vallahagdor (PREFÁCIO)

  • Foto do escritor: Victor Coscar
    Victor Coscar
  • 19 de fev. de 2019
  • 21 min de leitura

Atualizado: 21 de fev. de 2019

"CETRO DOS DEUSES"


GADNULLAR, O PRÓCER ENTRE OS PRIMEIROS HOMENS Sob a ordem de seu criador, o serafim Leorik desceu até o recém-criado planeta Terra com o objetivo de gerar a fauna dos diversificados habitats ao arredor do mundo. Seu trabalho durou, aproximadamente, em relação ao tempo dos homens, oitenta e sete mil anos.

O serafim Penemue, também acatando o desejo de seu criador, concedeu a finitude da vida e a decomposição da matéria para que ela retornasse à natureza legislada pelo serafim Pikeru, o regente de Deus na Terra. Assim sendo, ocasionou um ciclo infinito entre a matéria viva e a natureza.

Dentre tantos animais que habitavam o planeta Terra, foram os primatas que se tornaram receptáculos das almas criadas por Deus. Eles eram peludos e possuíam um porte físico pequeno. Alimentavam-se basicamente de folhas e insetos. Os primatas ocupavam as florestas e, apesar de possuírem muitos predadores, eram animais habilidosos e viviam saltando pelas árvores altas, o que dificultava muito o trabalho de seu caçador. Dezenas de milhões de anos se passaram e os primatas desenvolveram seus corpos para se adaptarem às mudanças necessárias de sobrevivência. Os hominoides assemelhavam-se em demasia com os seus ancestrais primatas. Eram maiores e mais fortes. Tinham a caixa craniana mais expandida e caminhavam tanto pelo solo quanto saltavam pelas árvores.

Milhões de anos avançaram-se na linha do tempo, surgindo os então denominados hominídeos no único bloco de terra do planeta Terra, um gigantesco continente unitário. Os hominídeos viveram há aproximadamente três milhões de anos. Estes seres caminhavam sobre os dois pés, possuíam longos braços para se lançarem entre as árvores, jogavam pedras para abater suas presas e para afugentar seus predadores. A subespécie mais complexa e, consequentemente, habilidosa do hominídeo, que avançou ao longo de muitos anos foi o homo erectus. Costumavam andar em grupos e utilizar de uma linguagem mais sofisticada para comunicação. Vestiam-se com pele de animais para se protegerem da alta temperatura, aprenderam a fabricar armas mais complexas utilizando pedras e descobriram como fazer fogo. Os homo erectus posicionaram-se próximo ao ápice da pirâmide alimentar, tornando-se predadores daqueles que um dia foram os seus. Migraram para inúmeras regiões antes nunca vistas e excederam a expectativa de aumento populacional de sua espécie.

Genesis, o Deus criador, estava satisfeito com sua última obra que evoluía através da história. Os homo herectus desapareceram. Seus descendentes mais próximos eram os homo sapiens e os homens das cavernas. Viveram entre trezentos mil anos atrás até aproximadamente trinta mil anos. No hemisfério Norte de todo o continente viviam os homens das cavernas. Eles sofreram drásticas consequências durante a Era Glacial. Muitos deles morreram congelados, mas devido a esse óbice, aprenderam a usar vestimentas pesadas de pele, incluindo couro de criaturas mortíferas. Criaram diversas ferramentas feitas de pedras e ossos. Os homens das cavernas enterravam seus amigos e familiares com flores e objetos sentimentais em cerimônia de despedida. Eles também tinham o costume de registrar sua história através das pinturas rupestres para passar os ensinamentos às gerações futuras.

Devido ao frio extremo e alta taxa de mortalidade dos homens das cavernas, muitos migraram para o hemisfério Sul, região onde viviam os homo sapiens. Semelhantes por serem parentes distantes, estes eram mais desenvolvidos e tinham a caixa craniana maior. Eram menos peludos e mais fracos fisicamente, todavia criaram armas mais sofisticadas. O líder da maior população de homo sapiens, denominado Gadnullar por seus fiéis seguidores, passou a visão da supremacia de sua espécie aos demais, sendo que os homens das cavernas eram ameaças iminentes para o futuro de seus iguais que dominavam todo o hemisfério Sul. Por terem um córtex cerebral mais desenvolvido, Gadnullar e seus seguidores criaram armadilhas mortais pelas fronteiras e fizeram milhares de emboscadas para todos os seus parentes distantes do hemisfério Norte que tentassem alcançar o hemisfério Sul.

Pouco mais tarde, um terremoto de proporções extremas atingiu o continente, estendendo-se para os mares litorais dos hemisférios Leste, Oeste e Norte. O continente se dividiu em vários blocos que se afastaram pela força do oceano. Ondas gigantescas invadiram a porção Norte do continente fragmentado, e com essa drástica mudança geográfica, centenas de vulcões entraram em atividade. Os homo sapiens do Sul sofreram pouco comparados aos seus semelhantes do Norte, que foram completamente extintos.

Os homens sábios, advindo dos ancestrais ‘homo sapiens’, espécie escolhida por Deus, o criador, para receber a alma imortal, desenvolveram seus idiomas, a escrita, a contagem dos números, escolhiam seus líderes, desenvolveram diversos setores de trabalho, modelos de trocas de mercadoria, os primeiros sistemas jurídicos nada pacíficos e nem tão justos, criaram leis escritas, dentre outros meio de convivência em grandes sociedades. Surgiram notórios intelectuais, filósofos questionadores da lei do universo, cientistas de diversas áreas e crenças mitológicas em diversas culturas.

PRYON, O EMISSÁRIO DE DEUS

Genesis, o criador do universo, desapareceu inexplicavelmente, deixando sob encargo dos anjos o dever de semear seu nome no mundo dos homens, para que eles soubessem quem era o seu Deus. Após o surgimento da escrita, os antigos alfrotekos, criaram o calendário com base na astrologia. No ano 2794, os monvos descobriram enormes extensões de terras desabitadas ao Norte de seu continente. No ano 3003, os heltoros desvendaram outro continente desconhecido, porém este já era habitado por civilizações humanas menos desenvolvidas. Dois anos depois, eufóricos com as novas tecnologias de navegação, os heltoros partiram para o Norte, almejando encontrar novas terras. Entretanto a frota de caravelas que partiu não retornou para contar história. Passaram-se trinta e nove anos desde a perda de Heltora para o mar. Os Thelbacos arriscaram navegar para a mesma direção e descobriram mais um continente, contudo, também já era habitado. Habitado por tripulantes das embarcações heltoras de trinta e nove anos atrás que foram considerados como mortos. Na verdade metade deles sobreviveu à fúria do mar e alcançaram terra firme. Esta nova terra era riquíssima em frutos e suas variedades. Além disso, tinham muitos animais para poderem caçar e a temperatura era amena para se viver. Os heltoros ali se estabeleceram e constituíram família. Não obstante, muitos habitantes de terras recentemente descobertas migraram para o novo continente ao Norte de Heltora, além de thelbacos, dramedanos e sanolenos. A intenção de Heltora em fazer das novas terras do Norte sua colônia, fracassou.

O País de Heltora, uma forte monarquia, vivia em uma era de expansão territorial e prosperidade financeira. Sendo a maior potência do mundo, foi escolhido para sediar a fundação da Catedral Crisíata. Acontece que um serafim surgiu nos sonhos do Rei Ogamenor e disse que sua esposa teria quatro filhos com ele e o último seria especial. Este não governaria Heltora, mas seria o porta-voz dos anjos para transmitir a fé e a sabedoria para os homens. Tal sonho repetia-se frequentemente, o rei consultou seus conselheiros e recorreu até aos seres que diziam ter o dom da vidência e bruxaria. Mas nada adiantou. E nasceu seu quarto filho, uma inocente criança que veio ao mundo sem derramar lágrimas, entretanto, saudável. Quando jovem, ele produziu feitos notórios que atraiu a atenção de seu pai, o rei Ogamenor. Além de curar animais feridos com as mãos, o que de fato fez despertar a atenção da população mundial em Pryon foi quando seu irmão mais velho, o herdeiro do trono, foi vítima da peste negra e encontrava-se enfermo em seu leito, esperando a morte abraçar-lhe. Todavia Pryon o curou quando passou suas mãos por seu corpo, extraindo a doença que contaminara o sangue do herdeiro de Heltora.

Enfermos de todo o mundo vinham ao encontro de Pryon para receber seu toque. Ele foi santificado e, em Heltora, fora erguida a Catedral Crisíata para sua morada sagrada. Os anjos, através de Pryon, ditavam os caminhos de Genesis para salvaguardar os humanos dos males que pudessem corrompê-los e os alertavam da ameaça do Primeiro Arcanjo, Heylel, o Portal da Luz. O anjo caído que fora banido do Paraíso por almejar sobrepujar seu trono acima do de seu pai, pois acreditava ser o verdadeiro Deus merecedor de todo o poder. O crisianismo tornou-se rapidamente a fé mais praticada ao arredor do mundo. Grandes pensadores buscaram por Pryon para que respondesse as suas dúvidas, mas ele pouco sabia sobre Genesis, o Deus, e sobre a desavença com o suposto mal, denominado “Heylel”. Os anjos manifestavam-se raramente, principalmente quando o assunto era de ordem divina.

As inúmeras perguntas sem respostas da humanidade, após as grandes revelações dos anjos através de Pryon, criaram, como uma espécie de protesto, diversas crenças pagãs para cultuar falsos deuses. Alguns dos cultos envolviam torturas e sacrifícios de animais e humanos. A pior das crenças pagãs, conhecida como Edeose, foi considerada a maior de todas as heresias que um homem poderia praticar. Para receber a benção dos sete deuses edeosenitas, os crentes tinham que extrair e beber todo o sangue de recém-nascidos para se tornarem puros. Pryon condenou a prática e os membros foram perseguidos e executados por seus crimes.

Deixando o legado dos anjos em evidencia para o conhecimento dos homens, como o culto a Genesis e a construção de templos sagrados pelo mundo, Pryon faleceu inesperadamente no sétimo dia da coroação de seu irmão mais velho e fora velado por uma multidão incontável de crisíatas na capela da Catedral Ethedronya. Seu sucessor, o novo líder crisíata, fora um jovem plebeu que alegou ser o escolhido pelos anjos para dar continuidade aos trabalhos de Pryon. Como prova disso, ele curou com suas mãos um pombo com a pata quebrada. Seu nome era Lionel Bilderfall e ele banhou a Catedral Ethedronya a ouro e expandiu as instalações de sua nova morada, inserindo também câmaras subterrâneas e passagens secretas. Ele foi intitulado como “O Inquisidor” por perseguir e exterminar qualquer praticante de fé adversa à crisíata, sendo radical ou inofensiva a prática pagã. Lionel convenceu o Rei Ogaron, irmão de Pryon, a reclamar a subordinação da coroa dos países vizinhos à Heltora: Mon’Mar e Esbella. Sob ameaça do exército heltoro, os dois países assinaram acordo de subordinação à Coroa Heltora. Endividados e submetidos à pressão de muitos lordes crisíatas esbeus e marianos, os monarcas de ambos os países não hesitaram a entregar seus países, senão seriam certamente executados. O único país do continente da Eromedia que negou subordinação à Heltora foi o recém-constituído Reino de Qeodys. O rei, financiado por seus nobres e comerciantes ricos, mandou levantar uma muralha tão grandiosa que só de se ver era desanimador tentar invadir aquele país. O rei de Qeodys enviou uma mensagem ao rei Ogaron, o Conquistador, dizendo o seguinte: “Grande rei Ogaron, o país onde Governo é crisíata igual ao teu. Nossa população é pacífica e buscamos harmonia, seguindo os ensinamentos dos anjos de Genesis, o Deus. Pryon, seu irmão, nunca lhe pediria tal feito, muito menos os anjos que lhe instrumentavam. Tua expansão já é vasta e bem vista aos olhos do mundo. Mas se fores invadir minha terra, mostrará ao mundo que desejas dominá-los. Os continentes fronteiriços ao nosso se armarão contra teu exército e Heltora sucumbirá ao enfrentar a aliança das forças externas. Peço que me tenha como amigo e aliado, mas não me tome como servo.” Lionel, o Inquisidor crisíata, sentiu-se ameaçado pela sábia forma como o monarca odileu apresentou suas contrarrazões para a não invasão a Qeodys. Pacificamente ele modificou a decisão de ofensiva do Rei Ogaron e o converteu a aliado. O líder crisíata não poderia, após essa declaração pública, persuadir o rei heltoro a atacar Qeodys, pois o rei odileu não deixou transparecer qualquer motivo plausível para ter seu reino invadido, além de que também abriu suas portas para a construção de várias abadias crisíatas para os odileus cultuarem a fé. Conquistar o Reino de Qeodys agora não seria mais uma demonstração de poder e glória para Heltora, todavia seria uma afronta ao resto do mundo.

ALLAOR, O CONGREGADOR DA PAZ

No ano 3070, conforme o calendário astrológico alfroteko, o mundo encontrava-se governado por muitas nações. No continente Noeste, o país de Thelba era o mais próspero e incentivava o crescimento de mais civilizações aliadas, como os países de Gamenon, Santadella, Drahameda e Enerea. Todos tinham um monarca ungido por Genesis, o Deus dos homens.

Em Sueste, o país mais próspero era o Reino de Monraiden. Thelba seguiu a sua guisa para governar, adotando o método mais pacífico para desenvolver sua civilização, que foi através da aliança e cooperação entre nações. Monraiden influenciou no crescimento de países como os reinos de Vangelth, Gringora, a aglomeração dos feudos de Linnos, Malfra e Galeon.

Ao norte de Heltora, o continente de Gran Becênia era palco de um grande conflito familiar. Havia três irmãos que alavancaram o desenvolvimento da civilização e influenciaram no crescimento populacional. Os descendentes de Ilgar, Gaelon e Petrihna deram continuidade ao legado advindo a morte de seus atuais substitutos. Em 3072 ergueu-se o País de Gallaghen, reinado pela linhagem sanguínea de Gaelon. Um ano após, surgiu ao seu lado o Reino de Ilrganda, reinado pela linhagem sanguínea de Ilgar. Naquele mesmo ano, nas terras do norte de Gran Becênia, irrompeu-se com força brutal o país de Petrohva, reinado pelos descendentes de Petrihna. Devido às diversidades ideológicas entre os irmãos e que foram herdadas por seus respectivos povos, questões que, de fato, eram meramente triviais, levaram as três nações à inimizade por vinte e dois anos.

Anos mais tarde, a linhagem de Ilgar perdeu o último herdeiro do trono. Enfrentando um cenário de guerra civil, Ilrganda encontrou-se desestabilizada até o exército gallago avançar para o reino vizinho, almejando conquistar a coroa ilrganesa. Petrohva também enviou um grande exército para ocupar as terras de Ilrganda e tornou assim o clima bastante conflituoso. O que deixou a todos abismados foi o desfecho da história. Quem governaria Ilrganda? O monarca gallago, o Rei Hohenhain, neto de Gaelon, e a soberana de Petrohva, Rainha Veidily, sobrinha de Petrihna, disputaram a coroa de Ilrganda através de um jogo de azar. Quem retirasse do baralho de cartas o número mais alto, teria o reino almejado anexado à sua jurisdição. Primeiro retirou uma carta do topo do baralho a rainha Veidily. Eufórica ela ficou quando se deparou com um 7, pois o maior número que tinha era um 10. Hohenhain era o próximo. Ele suava frio nas mãos. Fechou os olhos ao sacar. Quem gritou foi sua esposa quando viu um 9 em sua carta de saque.

- Ilrganda bier olva! (No idioma becênico, tal expressão se traduziria como “Ilrganda é nossa!” – Ela gritou. Todos os gallagos emitiram um coro histérico de felicidade. A rainha Veidily, muito desgostosa, retirou suas forças militares de Ilrganda. O rei Hohenhain herdou o trono ilrganês e ficou conhecido como Hohenhain II de Gallaghen e I da Ilrganda.

Ao sul de Gran Becênia situava-se o continente da Eromedia. O país mais poderoso do continente era o Reino de Heltora, que havia expandido sua jurisdição aos reinos de Mon’Mar e Esbella de forma imperativa expansionista. O único reino da Eromedia que não se subordinava à Heltora era Qeodys. Para se defenderem dos exércitos heltoros, os odileus ergueram uma muralha colossal de vinte e sete metros acima da terra e três metros abaixo. A diplomacia dos governantes odileus também foram de grande importância para manter os heltoros longe do controle do país. Não havia motivo que, para os outros reinos do mundo, fosse justificável uma invasão a Qeodys. Se Heltora invadisse, tornaria sua imagem impopular e perderia a forte aliança que tinha com Monraiden. Além disso, Ethedronya deveria ser o símbolo da paz mundial. Seria de grande infâmia o país de origem da Catedral e da fé crisíata ser conhecido pelo resto do mundo como um reino agressivo e ultrajante.

Ao Leste de Gran Becênia e Eromedia, situado ao Norte do globo, havia o maior continente já descoberto. Uma terra vasta que habitava a maior população crescente do mundo. Seu nome era Ezelgarth. Ezelgarth era absolutamente dividido por milhares de feudos pequenos, médios, grandes e colossais. Havia muito jogo de poder naquelas terras, muitas batalhas e muitas mortes sanguinárias. Os ezelgos passavam fome pela escassez de alimentos, pois quase a totalidade dos produtos cultivados eram destinados para sustentar os soldados. Ser um grande senhor feudal não era exatamente uma boa posição em Ezelgarth, pois, normalmente, feudos menores se uniam para derrubar aqueles que detinham imenso poder, sem considerar as incontáveis traições cometidas por vassalos aliados que eram convertidos por obterem como recompensa da queda de seu suserano, a terra que administra como sua legítima mais um quinhão da divisão das vastas terras do senhor feudal dizimado.

Nenhum homem ficou no poder por muito tempo, não havia nomes de líderes eternizados e pronunciados por entre os lábios dos ezelgos durante a história. Exceto um. Allaor, da Dinastia Drakonér. O quarto filho de seu finado pai, o antigo Senhor Feudal de Valakys. Allaor foi o conselheiro de seu irmão mais velho, quando este era o senhor das terras de Valakys, antes de morrer envenenado pelo segundo filho de seu pai. Allaor descobriu a trama e o entregou à forca. Assumiu assim o terceiro na linha de sucessão, Galullir, nomeando Allaor como seu general. As terras de Valakys expandiam de forma agressiva devido ao apoio fiel dos feudos aliados à Casa de Drakonér. Quando era conselheiro de seu irmão mais velho, Allaor lhe disse para não tomar seus aliados como vassalos, pois o homem está em constante busca por poder. Eles deveriam enxergar o máximo poder enquanto fossem aliados à Valakys. As terras conquistadas eram igualmente divididas entre os senhores feudais que participavam das invasões. Não havia hierarquia entre eles. Assim sendo, ninguém pretendia derrubar os Drakonér, pois os próximos detentores de poder certamente veriam os demais como vassalos, inferiores. Só havia uma região a qual Allaor Drakonér não atacava. E não era por medo de algum lorde específico. Era porque o general esperava irromper um grande inimigo do Oeste que soubesse de suas invasões, produzindo ao Oeste de Ezelgarth uma grande insegurança: “Quando Allaor Drakonér virá?”

E, como previsto, surgiu um grande líder que unificou centenas de feudos com um forte propósito: “A queda dos Drakonér”. Eles representavam uma ameaça iminente e deveriam ser eliminados. O líder do Oeste, Tanatiluzio, era um pagão de uma crença que se expandia no continente, conhecidos como “Os seguidores de Aridór”. Através da religião, ele moveu grandes exércitos contra o Leste de Ezelgarth enquanto o exército de Allaor atacava o Sul. Tal informação privilegiada fora dada a Tanatiluzio por um mandado de Allaor. Pensando ele que estava sob vantagem, avançou silenciosamente pelo mar com várias caravelas. Os seguidores de Aridór invadiram a costa de Valakys. O último irmão de Allaor fora executado. Ao contrário do que os seguidores de Aridór pensavam, o exército de Allaor sitiava Valakys naquele momento. Todos foram pegos de surpresa pela notícia da queda do senhor de Valakys, menos Allaor, que agiu secretamente para a concretização desse destino. Não havia sequer um homem que conhecia seus reais ideais.

O exército de Tanatiluzio foi exterminado pelos inimigos. Afinal, esperavam destruir Valakys matando seus civis e animais de criação, queimar o plantio e repetir esse caos por todos os feudos aliados aos Drakonér possíveis antes que o exército de Allaor retornasse. Allaor encontrou seu irmão morto sentado ao trono. Seus olhos estavam removidos e a garganta estava cortada quando ele levantou sua cabeça. Ao perguntar a Tanatiluzio, amarrado e escoltado por seus homens, o porquê dele ter arrancado os olhos de Galullir, Tanatiluzio lhe respondeu que Aridór não perdoa hereges que não lhe cultuam. Logo, os mortos que não creem em Aridór devem partir sem os olhos para não terem o privilégio de enxerga-lo.

Por mais incoerente que pareça, sozinho com o corpo de Galullir, Allaor chorou. Pediu que as fendas dos olhos do sangue de seu sangue fossem envolvidos por faixas brancas e que seu ataúde feito a ouro maciço fosse ornamentado por diversas joias. A questão que afligiu Allaor era que ele não sabia lidar com as perdas. Sua mãe faleceu devido a uma praga da época que lhe fez clamar pela chegada da própria morte. Não muito tempo depois, o Lord Drakonér ficou tuberculoso e acompanhou sua finada esposa. Seu primeiro irmão foi assassinado pelo segundo, que veio a ser executado por denúncia de Allaor. Ele se viu refém do próprio trauma de perder seus entes queridos e reconhecia uma forte força dentro de si. Galullir era o único familiar vivo mais próximo que ele considerava sua fraqueza e então decidiu eliminar sua última vulnerabilidade.

Allaor mantinha presos e sob tortura Tanatiluzio e outros quatrocentos homens. Durante dois meses, sessenta deles faleceram. O chefe da casa Drakonér mandou que seus olhos fossem retirados na frente de Tanatiluzio. Sua fé era ridicularizada todos os dias perante ele e, quando tentava pronunciar as preces diárias a Aridór, tinha uma fração mínima de um dos dedos das mãos cortadas por um estilete. Obviamente sua mão direita estava em processo de gangrena e os pés também.

Certa vez, desgostoso em manter tantos pagãos ocupando as celas de Valakys, Allaor nomeou as mais belas colinas da região como “As Colinas de Galullir”, e mandou seus homens fincarem o número de estacas nas colinas o suficiente para cada seguidor de Aridór vivo que mantinha sobre cárcere. Ele ordenou que todos fossem empalados pelo ânus ou umbigo. Trezentos e poucos corpos foram empalados e os homens sofriam embaixo do Sol escaldante enquanto a ponta das estacas lhes perfurava o interior. Era agonizante. Allaor deixou claro que só não arrancaria seus olhos, em vida, para não acelerar suas mortes. Mas ordenaria que fossem arrancados assim que o castigo final terminasse. Seus homens armaram uma mesa na colina de Galullir com um banquete exuberante. Allaor sentou-se à mesa que, não coincidentemente, estava há dois metros a frente de Tanatiluzio. O ambiente fedia a carne pútrida e mesmo assim o líder valako não se incomodava em estar tão próximo de centenas de homens empalados em volta de seu banquete. Enquanto olhava para a boca espumante de Tanatiluzio, Allaor mastigava um pedaço de carne de javali. A ponta da estaca atravessou a barriga do homem e ele morreu. Seu corpo cedeu para trás, mas como parte estava preso à estaca, o abdômen rompeu e as vísceras caíram na colina esverdeada. Metade de seu corpo se agarrou à outra apenas pela coluna vertebral. Allaor Drakonér, o senhor de Valakys, tinha apenas vinte e um anos quando se tornou o homem mais poderoso de Ezelgarth. Nos sete anos subsequentes, ele unificou todo o continente e autoproclamou-se Imperador. Era conhecido como um bom líder, entretanto, cruel. Seguir Allaor traria prosperidade aos fiéis. Considerá-lo inimigo ou ao menos discordar de qualquer questão sobre seu governo ou pessoa, era o mesmo que assinar a própria sentença de morte. E Allaor não gostava de execuções simples e rápidas. Seu governo durou quarenta e um anos. Faleceu aos sessenta e dois, vítima de um tumor cerebral, deixando Ezelgarth unida e sem guerras.

Existia um continente situado ao Sudeste do globo. Era desconhecido, ninguém já pusera os pés lá porque todas as caravelas que alcançavam determinada distância naufragavam. Havia um boato de que aquele oceano era o lar de um monstro colossal. Entretanto, os marinheiros que espiavam de telescópio próximo à margem do litoral, apenas viam a costa de um novo continente coberto por árvores enormes e um arquipélago de seis ilhas menores a sua frente. Jamais fora avistada uma grande cauda ou algo como esperado.

KALENNA, A PROFETISA DE Mîkhā'ēl

O Grande Inquisidor, Lionel Bilderfall, difundiu a fé crisíata pelo mundo, enviando embaixadores para todas as regiões adeptas. A fé dominava a totalidade da Eromedia, quase todo o Noeste e Sueste. Havia simpatizantes em Gran Becênia em grande escala, além de muitos praticantes da crença em Ezelgarth. Durante o governo de Allaor Drakonér, os ezelgos eram livres para escolher suas crenças, pois o próprio Imperador era cético.

As doutrinas pagãs estavam em baixa por volta do ano 3110. Os Cavaleiros de Ethedronya eliminavam qualquer inimigo ao seu alcance que cultuasse outro deus senão Genesis, o Deus crisíata. Lionel Bilderfall era o homem mais próximo do criador. Seu poder só não era soberano em todo o mundo porque ainda havia grandes civilizações que contestavam sua glória, mesmo exercendo igual fé.

O filho mais velho de Allaor Drakonér assumiu o trono do pai. Ele era o maior observador e admirador do imperador, entretanto Allanel não conseguiu manter Ezelgarth unida no decorrer de seus primeiros meses de governo. Longe de como seu progenitor fez, ele não achou o equilíbrio entre ser um líder temido e amado simultaneamente. Valakys era distante de diversas terras e isso fez com que muitos lordes se declarassem independentes do império ezelgo.

Lionel Bilderfall, um homem astucioso, enxergou o momento ideal para manipular Ezelgarth. Ele convenceu Allanel a se converter ao crisianismo e, em troca, manteria o continente unido a Valakys. O Inquisidor ou, como também era nomeado: “A Mão de Deus”, apresentou ao monarca, Ayeres, uma deslumbrante e virgem heltorana, para casarem-se em matrimônio crisíata. As palavras que persuadiram o imperador valako foram: “Sua Majestade necessita de prova mais convicta da existência de um deus que essa? Reunificar Ezelgarth e ser comparado ao seu pai? Farão canções de suas gloriosas conquistas assim como fizeram ao grande Allaor.” Os Cavaleiros de Ethedronya marcharam contra os pagãos, com o apoio do exército de Heltora e Esbella. Houve um grande massacre no continente. Não eram somente os pagãos que Lionel ordenou que matassem, mas, para cumprir a parte do trato, mandou que executassem todos aqueles que fossem contra o governo de Allanel Drakonér. Em sete meses Ezelgarth tornou-se um continente predominantemente crisíata. O palácio de Valakys passou a carregar dois grandes brasões em seu portal de entrada e nos estandartes. O brasão de Valakys -Uma quimera rugindo, circunscrita em um astro enegrecido- E o brasão da fé crisíata -Uma cruz com três pernas, sendo as da direita e esquerda, onduladas como as pernas de uma âncora-. A maior ameaça para a estabilidade de Ethedronya veio em 3112, montada em um cavalo alado que fora visto sobrevoando o céu de Valakys. O animal pousou no castelo de Allanel e seus guardas o cercaram com lanças. Uma menina ruiva vinha na montaria, trajando um vestido branco. Seu semblante era completamente neutro, não era possível decifrar que tipo de sentimento a movia naquele momento. Geralmente alguém demonstraria medo pelas lanças apontadas. Contudo havia desdém por parte da menina ruiva.

- Quem é você? – Perguntou um guardião do palácio de Valakys. - Eu vim para restaurar a verdadeira ordem de Genesis, o Deus. – Uma voz aparentemente masculina de entonação grave emanou do interior da jovem ruiva, mas seus lábios não se mexeram como normalmente deveriam. - Pryon, o nosso escolhido, foi assassinado pelo atual Inquisidor de Ethedronya. - Quem é você?! – Os guardiões tornaram-se ferozes. Não engoliram a história da menina montada em um cavalo alado que surgiu inesperadamente do céu. - Meu nome é Mîkhā'ēl e eu sou o segundo arcanjo de Genesis. – Ao dizer tais palavras, um lastro de sangue das vias nasais da menina escorregou até o lábio inferior. Ocorrendo tal fato, uma forte ventania fez com que seus cachos ruivos oscilassem agressivamente e as lanças apontadas para ela foram jogadas para trás, assim como a guarda ofensiva de Valakys.

Allanel assistiu a todo o acontecimento de longe, situado na sacada acima. Seus homens ajoelharam-se diante Mîkhā'ēl após a demonstração de seu poder. O imperador de Ezelgarth não fez diferente, somente sua esposa recusou se ajoelhar. Mîkhā'ēl olhou para o imperador ezelgo através dos olhos de seu receptáculo. Disse a Allanel que essa era a chance que ele teria para se redimir de seus pecados, pois até então o mesmo não poderia discernir a intenção daquele que tomara como aliado, o Inquisidor. Ordenou para que resguardassem com total segredo seu receptáculo dentro do palácio de Valakys, até o dia seguinte, para que Allanel tivesse tempo para reunir o maior número de ezelgos que pudesse. Mîkhā'ēl iria se pronunciar perante os homens.

Ao nascer do Sol, mensageiros de Allanel distribuíram missivas por todas as moradas da capital. Os civis deveriam comparecer ao anfiteatro por ordem do imperador. Os nobres e abastados tinham lugares privilegiados no pódio. Os senadores e magistrados acomodavam-se no pulvinar. Não havia hierarquia entre ambos, porém os membros do pulvinar formavam o conselho de governo do imperador. Os plebeus, cerca de quarenta mil deles, acomodaram-se no pórtico. O motivo que os levaria até o local não fora revelado, assim como Mîkhā'ēl instruiu o monarca ezelgo.

Allanel, deveras inquieto, assentou-se em seu trono no pulvinar. O trono de sua esposa Ayeres ficara ausente ao lado dos senadores e magistrados. Abriram-se os portões e Kalenna adentrou acompanhada da guarda de Valakys. Era uma menina comum, sentindo-se envergonhada por estar diante tantas pessoas murmurando enquanto a encaravam. Ela sentiu um tranco na garganta e ergueu a cabeça. Tudo para ela escureceu, mas seus olhos abriram cinéreos. Os guardas de trajes azuis pesados distanciaram-se discretamente de Kalenna.

- Filhos de Genesis, o Deus. – Iniciou aquela voz diferenciada. – Eu sou Mîkhā'ēl, o segundo arcanjo!

A multidão iniciou um coro de vaia e lançaram pedras e alimentos em direção a Kalenna. Todos eles foram repelidos por um campo de força transparente. A plateia silenciou. A menina abriu os braços, cruzou as pernas e desprendeu-se do solo. Flutuava no ar enquanto seus cabelos oscilavam para cima.

- A humanidade precisa de nós! – Disse Mîkhā'ēl. – Vocês estão depositando a fé no inimigo de Genesis, o Deus. Estão sendo enganados. Um camponês em meio a quarenta mil plebeus se levantou. - Enquanto a Pryon? - Pryon foi nosso escolhido. Mas fora envenenado por um jovem plebeu, filho de um escravo por dívidas e uma talentosa artesã. Seu nome era Lionel e sua ambição era tamanha que ultrapassava as barreiras morais. Seu poder não veio de vosso pai, o Deus.

Kalenna retornou ao solo e o vento se aquietou. A plateia conservou o silêncio. Os senadores e magistrados estavam descrédulos, mas não pelo que acabaram de presenciar. Descrédulos porque todos os dias cultuavam Genesis, o Deus, através de Lionel Bilderfall, a santidade mais próxima do pai de todos os homens. Os nobres começaram a arrancar todos os apetrechos de representação crisíata. Os políticos também fizeram o mesmo. Apenas Allanel permaneceu inerte, pois já havia vindo ao anfiteatro sem nenhum. Além disso, naquele momento em que grande população reunia-se ao Anfiteatro Allaor, o imperador havia ordenado que retirassem todas as bandeiras com o brasão crisíata por Valakys.

A população valaka abandonou o anfiteatro, furiosos. Destruíram tudo no caminho o que remetia ao crisianismo. Depredaram e incendiaram as abadias. Mas não encontraram membros crisíatas por Valakys. Todos tinham fugido antes da assembleia no anfiteatro. Os navios de Ethedronya desapareceram. Allanel presumiu o que estava óbvio. Foram traídos por alguém que sabia sobre Kalenna. O imperador ordenou que todos os seus guardiões reais de Valakys se apresentassem. E todos vieram. Ele ordenou que viessem todos os servos do castelo que presenciaram a chegada da menina montada no Pégaso. Todos vieram.

- Eu não entendo! – Allanel preencheu seu interior de cólera. – Estão todos aqui! - Não, Majestade. – Disse Kalenna. – Sua esposa Ayeres o traiu. Ela sempre foi fiel a Lionel, uma espiã de seu governo.

O acontecimento propagou-se como vento pelo vasto império ezelgo. Os lordes ordenaram a destruição de todas as casas crisíatas e fortificaram os litorais contra qualquer invasão de Ethedronya ou Heltora. Em poucos meses o mundo soube. Lionel perdeu suas forças. Concentrou-se apenas em Heltora, Mon’Mar e Esbella, pois não era mais bem vindo em qualquer outro lugar.

A ascensão dos genesianos em Ezelgarth se deu com a elevação de basílicas e santuários para cultuarem o verdadeiro deus, Genesis, tendo como entidade máxima do Genesiano a Profetisa de Mîkhā'ēl, Kalenna. O segundo e terceiro arcanjo, Rāp̄āʾēl e Gavriel, também nomearam seus representantes na Terra para formar o ápice do seguimento genesiano. Abaixo dos profetas, fora formado um Conselho especial de doze anciões nomeados como Vérituns Legis. O Conselho dos Vérituns Legis era liderado pelo Elyon Véritun. A sede genesiana foi erguida em uma ilha ao Sul do continente de Ezelgarth. A humanidade recebeu o Rarboln Ark’Fiore, o sagrado alfarrábio da linguagem dos anjos para os Vérituns Legis legislarem na Terra através do presente de Genesis, o Deus. Sua expressão divina, a Pallarys Ark’Dalla. Ezelgarth também fora presenteada com casulos ogivais de meio metro que, deles, nasceram filhotes de pégasos.

Noeste, Sueste, parte de Gran Becênia e o Reino de Qeodys abandonaram Ethedronya e aderiram à fé genesiana. Lionel Bilderfall reuniu os exércitos heltorano, esbello e mariano e marcharam contra a grande Muralha de Qeos. Repelidos por diversas defensivas ofensivas, suas forças sucumbiam em proporção maior que as pedras que compunham aquela grande fortaleza erguida por Qeodys. Sentindo-se humilhado e ameaçado arguciosamente pelo poderoso império monravo, o Inquisidor recuou seu exército, mas proclamou vingança, asseverando a queda do país.

Com suas palavras, perante todos aqueles que queriam ouvi-lo na sacada da Catedral de Ethedronya, ele anunciou ter perdido a batalha contra as forças de Heylel, mas não a guerra. Prometeu aos seus fieis crisíatas que recuperaria a fé dos homens. Ayeres estava ao seu lado durante o discurso, vestindo um paramento litúrgico. A população de Eromedia louvou o Grande Inquisidor, Lionel Bilderfall.

 
 
 

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